terça-feira, 1 de abril de 2008

Mau humor com lucidez...


Faz tempo que não post nenhum texto do jornalista e economista Cláudio Gradilone, do Blog do Investidor no Portal Exame... Esse eu vou publicar inteiro. Vale a leitura e a reflexão.


Um post de mau humor

Peço licença a meus leitores para escrever um post um pouco mais pessoal. Confesso que está difícil investir, à vista das notícias. Nada a ver com a recuperação de hoje, por favor: meus comentários aqui focam no longo prazo, pensando no Brasil dos próximos cinco ou dez anos. E as notícias não animam.
Vamos somar? Epidemia de dengue no Rio de Janeiro, crianças sem transporte escolar no Espírito Santo, produtores de soja sem estrada no Piauí, caminhoneiros sem viaduto em Sâo Paulo, cidadãos sem direitos mínimos na Rocinha - e em outros milhares de favelas brasileiras, territórios sem presença do Estado.
O Brasil padece com a escassez de uma matéria-prima essencial: gestão da coisa pública. A grande maioria dos administradores públicos de várias esferas simplesmente não consegue gerir o país. A única parte eficiente (mas não eficaz) do Estado é a arrecadação tributária. Todo o resto deixa muito a desejar.
Quantas mortes de compatriotas ainda vamos assistir devido ao descaso das autoridades do Rio de Janeiro com relação à prevenção da dengue? Claro que a população tem de colaborar, mas o responsável é o estado, que simplesmente não cumpriu seu papel. Em 2006 (os dados de 2007 ainda não estão disponíveis na página da Prefeitura carioca na internet), a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro arrecadou 8,7 bilhões de reais em impostos diversos. Credite-se a dengue a São Sebastião, que não tem velado pela cidade que o homenageia, imagino.
A situação do trânsito em São Paulo, cidade onde nasci e sempre vivi, é um pouco menos traumática. Afinal, congestionamento não mata (só de raiva, claro). Mesmo assim, deixar todo mundo perdendo horas no trânsito é um desperdício de tempo e dinheiro, algo impensável em um país que tem muito para fazer para recuperar o tempo perdido das últimas décadas.
O fato de a Prefeitura ter arrecadado 18,6 bilhões de reais em impostos e taxas em 2007 (crescimento de 11,3% em relação a 2006) nos enche de satisfação cívica: afinal, não é todo mundo que pode se dar ao luxo de pagar uma fortuna para ficar parado no trânsito, pois não há vias nem transporte coletivo. Na manhã desta terça-feira um desabamento do Expresso Tiradentes piorou ainda mais as condições do trânsito.
Quem não conhece, eu explico. É fácil. Expresso Tiradentes é o novo nome do Fura-Fila, iniciado na gestão (?) Celso Pitta, continuado na gestão (?) Marta Suplicy com o nome de Paulistão e renomeado Expresso Tiradentes na gestão (?) Gilberto Kassab. O nome é apropriado - uma singela homenagem a todos os paulistanos que se enforcam diaramente para financiar os 18 bilhões de reais que a Prefeitura usa para trocar calçadas e tirar placas, algo essencial para uma cidade em que as escolas funcionam bem e os postos de saúde são modelos invejados por suecos e noruegueses.
Quer mais? A saúde, a educação e a segurança públicas são precárias nos grandes centros - minha faxineira, que trabalha e é uma cidadã brasileira que paga impostos como eu, está muito feliz por ter de esperar apenas 40 dias para fazer um exame de rotina no posto de saúde do bairro onde mora. Seus netos têm aulas em escolas precárias, e têm de se desviar dos assaltos na periferia onde moram.
É fácil dizer: a culpa é do povo, que não sabe votar. Será mesmo? Vejo por mim. Sou jornalista, não entendo de gestão pública, nem de construção de pontes e viadutos. Não sei dizer se as obras do Fura Fila estão corretas tecnicamente ou não (o fato de o viaduto ter caído pode ser um leve indício de que não estavam, mas isso é um pensamento maldoso). Porém, eu pago impostos que são revertidos em salários de pessoas que têm OBRIGAÇÃO de responder essas perguntas - e não o fazem.
Onde estavam os técnicos da Prefeitura paulistana para dizer que o viaduto tinha problemas? Onde estavam os técnicos de saúde do Rio de Janeiro para impedir a explosão da dengue? Onde estavam os técnicos de transporte do Piauí que não previram a necessidade de uma estrada para escoar a safra de soja, que ameaça ser recorde e periga se deteriorar no caminho? Omissão, ineficiência, irresponsabilidade, ou uma soma desses três males.
A ironia amarga é que as empresas brasileiras devem ter alguns dos melhores executivos do mundo, profissionais que conseguem fazer suas companhias funcionar e prosperar em um ambiente adverso, mantendo a competitividade nacional. Essa competência, porém, passa longe da administração pública. Por isso eu digo: gestão já! Ou damos um impeachment na incompetência ou jamais conseguiremos um salto de qualidade no Brasil.
E, sem isso, qualquer investimento - pessoal ou nacional - está fadado ao fracasso no longo prazo.

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