quarta-feira, 7 de maio de 2008

O texto que escrevi ao sair da UTI

PORQUE?

Imagine-se com um amigo ao celular. Você está andando
enquanto fala...
Alguém chega pelas costas (bem encostado) e te pede o
“bagulho”, o “celular”. O que você faria?
Eu fiz muito pouco, quase nada. Pedi pro Humberto
(AGRO 95) esperar... “Pega, Pega”, dizia o que estava
atrás para outro que me acompanhava pelo lado.
Mostrou-me a arma, mas não acreditei que atiraria
diante de tanta gente pela rua...
O primeiro tiro veio logo, com o cano bem colado nas
minhas costas. Corri o quanto pude enquanto ouvia
outros disparos. Deu tempo de ver alguém sendo
atingido no meio da rua... O comércio que ainda estava
aberto fechava rapidamente. Fui chamado a entrar em um
bar que também baixava as portas. O sangue já era
muito. O Humberto corria pela rua à minha procura.
Pela primeira vez pensei que fosse morrer...
O socorro veio logo e em poucos minutos estava numa
maca de hospital (também era a primeira vez).
Consciente, passei diversas informações aos médicos,
aliás, tinha uma que parecia uma deusa. Perguntava-me
porque alguém numa situação como a minha ainda dava
importância à beleza de uma mulher. Tirei uma série de
raios-x e tudo parecia tranqüilo. Cheguei a cogitar a
hipótese de ter sido atingido por balas de borracha...
Não sei em que momento, mas acabei dormindo...

Acordei amarrado numa cama, sabia que estava num
hospital. A primeira pessoa que vi me trouxe algumas
informações. Meus pais viriam me ver... Que bom...
O tempo foi passando e fui descobrindo o que havia
acontecido “enquanto eu dormia”. Foram 15 (ou 16) dias
de sono. Nesse período cheguei à beira da morte umas 4
vezes. Na verdade, segundo relatos médicos, o normal é
que eu tivesse morrido na hora dos disparos.
As balas fizeram um grande estrago aqui dentro e foi
necessária uma seqüência de cirurgias. Estive com 10%
de sobrevivência. Um dos médicos sugeriu ao Humberto
que fosse trazido um pastor ou um padre pra que me
“preparasse” a partida. Outro falaria dias depois em
milagre.
Já acordado, acompanhei de perto o sofrimento daqueles
que me visitavam, embora a ordem fosse não se alterar
enquanto estavam comigo, minha mãe chorava em alguns
momentos.

Fui avisado pelo médico que dormiria mais um pouco.
Seria submetido a mais uma cirurgia. Algo havia saído
errado. Minha mãe fora surpreendida pela notícia e
pensara que desta vez eu não resistiria (imaginem
só!).

Acordei de novo (quatro dias depois) e as coisas
pareciam ir bem. “Bem” numa UTI não quer dizer
exatamente a mesma coisa aqui fora. Eram vários fios,
várias febres, muito remédio, muita injeção...
O tempo foi passando e fui melhorando. Tinha muitos
desafios pela frente, precisava voltar a falar,
mastigar e andar. Aprender tudo isto depois de 46 dias
naquela UTI não foi fácil.
Transferido para o quarto a recuperação foi acelerada
e o dia da alta não demorou...

Passei pelo pior dormindo e montei a história
recolhendo detalhes daqueles que estiveram presentes
nos dias de sofrimento.
É difícil analisar isso tudo. O que dizer da minha
‘sobrevida’? De fato são mais perguntas do que
afirmações... Porque? Pra que? A impressão que tenho é
que a vida pode ser levada a qualquer momento e nós
nem consideramos isso. Pouco tempo atrás perdemos
nossa amiga Érika (DIR 95) e ainda guardo os últimos
e-mails que trocamos dois dias antes do acidente.
Porque tinha que ser assim? Dizer que a vida é assim
mesmo ou outra resposta do tipo, por mais verdade que
seja, deixa um imenso vazio. O sofrimento de meus pais
me fez pensar nos pais de nossa amiga (Edna e Luís) e
me trouxe muita alegria receber mensagens deles pelo
nosso site. Acho que eles também fizeram tais
perguntas...

O jeito é deixar a bola rolar.

As visitas, as mensagens (quem diria que nosso site
serviria pra isso!), os recados enviados por amigos me
fizeram muito bem.
Obrigado a todos que estiveram comigo. Alguns eu nem
me lembro (resultado dos efeitos da sedação). Àqueles
que divulgaram meu problema e formaram correntes de
oração (os moradores do prédio do Humberto fizeram uma
missa), promessas, etc... Pessoas que nem me conhecem
e mesmo assim me dedicaram parte de suas preocupações.
Deus, muito obrigado.

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