segunda-feira, 25 de agosto de 2008

VEJA - O golpe do século


A segunda-feira traz as revistas da semana e quinzena. Como cheguei do Inglês há pouco só tive tempo de folhear e ler os primeiros textos que me chamam a atenção. O melhor deles até aqui, sem dúvida, é o "O golpe do século" do jornalista Mário Sabino direto de Pequim.
Vi alguma coisa a respeito no Blog do Reinaldo Azevedo, mas foi lendo a reportagem que pude constatar a riqueza da combinação entre informação e um bom texto. Como o conteúdo é protegido, deixo abaixo uma pequena demonstração. Parabéns Sabino!

O GOLPE DO SÉCULO

O partido comunista chinês é a mais formidável máquina de cooptação social já criada: mudou a China para que tudo continuasse como era

Jade Palace Hotel. É onde a equipe de VEJA está hospedada em Pequim. No cardápio dos estabelecimentos credenciados pelo comitê olímpico, foi apresentado como um hotel do nível dos melhores ocidentais e bem localizado. É longe de tudo, estamos praticamente isolados em uma franja da cidade. Os funcionários são amadores – todos têm o crachá de "trainee" e trabalham por um prato de macarrão. Ninguém fala inglês, ninguém sabe colocar uma mesa, muitos chegaram do interior na semana passada. Pedir um sanduíche de queijo é um sacrifício. Não sabem o que é sanduíche, não sabem o que é queijo, não sabem o que é um hóspede. Os trainees foram encarregados de vigiar cada movimento nosso. Quando não estamos com o crachá olímpico, exigem que apresentemos o cartão magnético do hotel para nos deixar entrar no elevador. A comida é de campo de reeducação. Os preços são extorsivos: um café custa o equivalente a 14 reais. O único serviço satisfatório é o de tinturaria. Não exige comunicação verbal e a tradição chinesa é boa nessa área do conhecimento humano. O Jade Palace Hotel pertence ao governo – ou seja, ao partido comunista. Não tem sócios capitalistas, locais ou estrangeiros. Desde que soube disso, este repórter resolveu dar ordens como o presidente Hu Jintao. "Não temos banana, senhor." "Então, ligue para o partido e ache uma banana." A banana aparece. "É impossível achar um táxi, senhor." "Então, ligue para o partido, quero um táxi em cinco minutos." O táxi aparece. Dar ordens é a única maneira de fazer funcionar uma parte dos chineses. A constatação empírica foi confirmada por estrangeiros que trabalham em Pequim. Sem dar ordens, concordamos todos, a vida fica impossível.
Mais do que uma má experiência pessoal, o Jade Palace Hotel é uma má experiência política. Estamos diante do comunismo em estado puro, a maior empulhação da história. Vende-se como o paraíso, mas as tintas são infernais. Nesta China capitalista, que abriu uma estrada de dezesseis pistas para o Ocidente, o dado tão curioso quanto inquietante é que o comunismo sobrevive forte em vários aspectos, para além da marca de fantasia do partido. É espantoso que a internet, hoje ao alcance de 250 milhões de chineses, esteja sob controle da censura estatal, mas o que dizer de revistas estrangeiras que chegam às bancas (pouquíssimas) ou aos eventuais assinantes (menos ainda) com páginas coladas? Se o assunto da reportagem for China, os censores grudam o que julgam ser ameaçador ao regime. Da mesma forma que os trainees do Jade Palace Hotel, eles não sabem inglês ou qualquer outra língua estrangeira. Então, eliminam o problema da liberdade de imprensa passando cola em todos os textos aparentemente sensíveis. Basta lerem a palavra China e lá vai cola. Ao leitor, resta o caminho do fogão. Esquenta-se uma panela d’água e, quando o vapor sobe, coloca-se a revista sobre ele, para tentar desgrudar as páginas. Leves princípios de incêndio vêm sendo causados pela censura.

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